Reflexões sobre sorte na vida

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A sorte pode ser considerada a obtenção de uma recompensa dentro de condições pouco prováveis. Também chamamos alguém de “sortudo” quando se julga que a pessoa foi privilegiada por ter condições ideais para viver ou gozar bem da vida.

Aristóteles e alguns filósofos estoicos da Grécia antiga tinham até um termo para indicar alguém afortunado ou que “vive em estado de bem-estar”, a palavra eudaimonia. Entretanto, para estes pensadores, possuir uma vida boa e virtuosa não era apenas um problema de sorte, mas sobretudo algo a ser alcançado por esforço próprio.

A sorte e suas contradições: crença no indivíduo ou pensamento mágico?

No parágrafo anterior você deve ter notado que o tema levanta diferentes pontos de vista. Um dos motivos para isso é que há explicações variadas para a questão da sorte, dependendo da cultura e do momento histórico.

Por exemplo, na Idade Média, onde imperava o pensamento religioso na explicação dos fenômenos, as pessoas consideravam a sorte como um presente divino, tal como a vocação. Nessa época, noções como a de culpa se alinhavam ao livre arbítrio, o que aumentava a crença do uso da racionalidade perante os acontecimentos.

O resultado disso era um equilíbrio entre as causas religiosas ou mágicas e racionais envolvidas na sorte, diferentemente de explicações anteriores ao cristianismo que utilizavam como base o animismo (atribuição de intenção a objetos inanimados e a alma como causa dos fenômenos).

Nos tempos atuais, a quebra de uma única corrente de pensamento que guie nossa compreensão do mundo faz com que tenhamos ideias antagônicas sobre questões existenciais.

Há pessoas, por exemplo, que se guiam pelo determinismo da astrologia, doutrina baseada em dados como a data de nascimento para antecipar a presença de sorte ou azar na vida das pessoas. Se você tiver o signo “X” e o ascendente “Y”, nem precisa avaliar a percepção que tem sobre sua vida ou questionar suas próprias atitudes. Afinal,  seu mapa astral já vai lhe dizer se você será bem-sucedido ou se está fadado ao fracasso!

Ao mesmo tempo que a astrologia dispara pelas redes sociais como uma das correntes preferidas ante a compreensão dos meandros da vida, a meritocracia, isto é, a crença no mérito resultante de esforço próprio, invalida a análise sobre condições externas e anteriores à nossa vontade. Na meritocracia não há lugar para sorte, tudo é uma questão de esforço individual.

Viu só como compreensões tão antagônicas habitam um mesmo tempo e espaço social? O filósofo Henri Bergson afirmava que diferentes fontes do conhecimento humano são úteis para a humanidade. A ciência é válida para alguns problemas, tanto quanto o senso comum e a espiritualidade o são para outros, mesmo que isto pareça confuso.

O que significa ter sorte na vida?

A compreensão social sobre a sorte

Já sabemos que esta resposta depende de quando e de onde a pergunta é formulada. Após defender o argumento sobre a dificuldade envolvida no entendimento da sorte, vamos refletir sobre o juízo social a respeito deste conceito. Isto é, popularmente, o que significa dizer que alguém possui sorte?

Estamos em 2022, terceiro ano de pandemia, de inflação crescente e de aumento do desemprego no país. Se você perguntar às pessoas na rua o que significa ter sorte, certamente grande parte delas responderiam “ter saúde e emprego”.

Talvez em 2019, antes da pandemia de Covid-19, as pessoas estivessem mais propícias a considerar sortuda alguém rico ou famoso. Isso porque as condições do cenário brasileiro daquele ano eram melhores do que as de hoje, levando o público a valorizar mais o supérfluo (riqueza e fama) do que o necessário (saúde e emprego).

As pessoas percebem os problemas existenciais através dos conflitos vigentes na sociedade, de acordo com o contexto. Seguindo essa linha de raciocínio, o significado de possuir sorte pode ser o de perceber-se com ausência de problemas, ou seja, não precisar enfrentar os principais problemas de determinado grupo social.

A compreensão individual sobre sorte na vida

Se você chegou até aqui, talvez tenha mudado um pouco sua própria noção sobre sorte. Esperamos que tenha ficado claro que ter sorte se relaciona de forma muito íntima com a existência de forma geral, mais do que se imagina. A forma como interpretamos e atribuímos causas aos acontecimentos da nossa e da vida de outros define a noção de sorte ou azar que temos.

Outros fatores que contribuem para a “coloração” da noção de sorte são os de natureza individual. Aqui estão presentes variáveis como interesses e habilidades, valores, características de personalidade, histórico de vida, classe social e até mesmo genética.

Portanto, sorte é muito mais do que uma questão de opinião. O termo sintetiza diferentes tipos de conhecimento – como o científico, o religioso/espiritual, o filosófico, e o empírico ou do senso comum. Dessa forma, tenta explicar o que nem sempre é apreensível: a imprevisibilidade da vida e seus resultados afortunados (ou não).

 

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Olívia Unbehaun da Silva

CRP 12/12734

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